Conto

 LeituraS


Antigamente

Na época dos celulares sem Internet, quando SMS era o auge da comunicação entre adolescentes, Helena aguardava ansiosamente os curtos 20 minutos diários em que podia usar o celular da mãe. Sentada à mesa, digitava apressadamente mensagens para suas amigas enquanto, ao fundo, a mãe terminava de limpar a cozinha, arrumando os últimos pratos no escorredor.

— Acabou, Helena. Sai do celular e vai ler um livro! — gritava a mãe, enxugando as mãos no pano de prato.

Helena revirava os olhos, já antecipando o fim de sua conversa com as amigas. Suspirou, largou o celular sobre a mesa e se levantou. Caminhou até o armário da sala e puxou seu livro favorito que já estava com as bordas gastas e as páginas marcadas pela caneta azul. Sentou-se no sofá e começou a folhear, procurando a última página lida. Ao encontrar suas anotações nas margens, sorriu. Eram pensamentos soltos, reflexões sinceras de uma menina que queria entender o mundo. Por um instante, desejou que houvesse mais espaço nas páginas para escrever tudo o que sentia...

 

Atualmente

Os tempos mudaram e os celulares também. Agora, com um aparelho próprio, Helena passava horas mergulhada na tela, deitada no sofá, como se o mundo real tivesse ficado em segundo plano. A mãe, entre tarefas e resmungos, mantinha a rotina de tentar resgatá-la.

— Helena, minha filha, sai desse celular! — disse a mãe, parando em frente à filha com um pano de prato nas mãos – Helena, sai do celular e vai ler um livro – repetia a mãe ao observá-la concentrada no que estava vendo naquela pequena tela a sua frente.

— Tô lendo, mãe. — respondeu Helena, sem desviar o olhar da tela do celular.

— Lendo? Mas cadê o livro? — questionou, desconfiada.

Helena levantou o celular, exibindo a tela.

— Aqui. Tô lendo o meu livro em PDF.

A mãe franziu a testa, com o olhar carregado de dúvidas.

— Você tá achando que eu sou burra? Você vive nesse celular o dia todo!

Com calma, Helena virou a tela em direção à mãe e mostrou o capítulo aberto, com as mesmas anotações nas margens — agora digitais, mas tão pessoais quanto antes.

A mãe ficou em silêncio por um momento. Não era mais o livro com capa dura nem as páginas rabiscadas, mas o hábito de leitura ainda estava lá. Mudara o suporte, a forma de ler e de anotar, mas ainda são leituras.


Por Gabriela Bispo

Imagem: Representação de Helena e sua Mãe. 
Fonte: Jorgesfenyx (fonte externa)

Comentários

  1. A tecnologia pode ajudar muito, depende da forma que você usa ! Legal !!

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  2. A leitura digital nunca irá superar o prazer do cheiro das folhas❤️

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  3. Muito bom ! Nós estamos vivendo a época da tecnologia, tudo é feito virtualmente mas tem que saber usar e usar com responsabilidade assim como Helena. Parabéns ! Ótimo conto

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  4. Muito bom! , sem dúvidas a tecnologia teve uma grande evolução que pode ser tanto prazerosa ou não

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  5. Muito boa, gostei. Imagem legal também

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  6. Verdade. Amo ler no kindle

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  7. A leitura digital ajudou muito a democratizar a leitura. :)

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  8. Muito bom!! A tecnologia se utilizada da maneira coreta pode ser muito importante para o acesso à leitura.

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